No evangelho, a bem-aventurança ou beatitude tem sentido de "estar em marcha", de "estar a caminha". A infelicidade é estar parado, parado sobre nós mesmos, sobre os sintomas, , parado sobre as memórias. Em hebraico, a palavra doença é "mahala", que quer dizer andar em circulo, estar preso, estar no inferno, fechado em seu sofrimento, em seus pensamentos e até em suas emoções. Por isso a bem-aventurança consiste em dar um passo a mais ,dar um passo a mais a partir do lugar onde se está. Este passo a mais nos faz sair do inferno, da prisão na qual muitas vezes nos encontramos. A partir deste ponto de vista, nós encontramos com as bem-aventuranças de Cristo. Cada uma delas, então, é um convite para nos recolocar em marcha, a partir das nossas lágrimas, a partir do caminho que já percorremos.
Em marcha os enlutados (aflitos) porque serão consolados.
Esta bem-aventurança, assim como todas as outras, tem um lado prático. Ela nos diz que as pessoas não são felizes porque não sabem lidar com seu luto. O luto pela morte de alguém próximo, o luto pelo término de uma relação, o luto pela perda de um emprego, o luto pela perda de uma certa imagem de si mesmo, o luto pela perda de uma crença. O que é ficar de luto? É aceitar que o passado se torne passado. Esta aceitação é uma condição de felicidade. Na maior parte do tempo, o passado se projeta sobre o presente e impede que ele seja vivido plenamente. Por isso, saber ficar de luto é uma verdadeira bem-aventurança. Ficar de luto imp´lica em movimento, a não ficar parado, passivo (em marcha). Eis porque Jesus nos diz: "Em marcha!" não fiquem fechados nessa tristeza, nesse luto. Portanto é preciso viver o luto e fazer sua travessia. Muitas vezes as pessoas ficam aprisionadas em suas memórias, em suas lamentações, mas é preciso ir além. Mas para ir além delas é preciso passar por elas. Quando não vivenciamos o luto, o corpo pode vivenciá-lo. Ás vezes há um passado que não passou e volta para o corpo, consumindo-o e destruindo-o, há lutos que não foram vividos, há mortes que não foram aceitas. Vivenciar o luto não é apenas uma condição de felicidade (bem-aventurado), mas de saúde. O luto pode ser vivido no momento de uma separação, de um divórcio, pode ser vivido quando um amigo de muitos anos nos traiu, quando nos aposentamos de nosso emprego e perdemos a identidade da nossa profissão, o luto pode ser vivido na perda de uma casa, de um animal de estimação. O luto pode ser vivido pela perda de um filho ou pela perda da condição de mãe porque os nossos filhos já são adultos e não nos enxergam mais como mães, foram embora de casa porque casaram. Aqui a mulher tem que ficar de luto de sua própria possessividade, refletindo sobre o fato que os filhos não lhe pertencem. Quando uma mulher se identifica muito com o seu papel de mãe, quando não é mais mãe, quando não há mais necessidade dela como mãe, algumas vezes ela não sabe mais quem é. E é preciso que ela descubra que também é mulher. Bem-aventurado, então, quem sabe se enlutar pelo papel, pela função, pela relação na qual viveu muitos anos. Há, também, o luto por certas imagens de si mesmo. Para algumas pessoas é muito difícil ficar de luto por sua juventude, por sua beleza física, por sua saúde, pela perda de sua memória. É necessário que estas pessoas descubram uma identidade mais profunda, caso contrário se tornarão uma caricatura de si mesmas. Ficar de luto pelo que fomos é a condição necessária para viver feliz e bem-aventurado com sua idade, na época correta de sua vida, sem pesar e sem amargura. Esta bem-aventurança é muito útil, como vimos, em muitas situações da nossa vida, até mesmo no campo religioso. São João da cruz diz que algumas práticas religiosas muito boas e corretas em uma certa época de nossa vida, já não o são em outra época. E preciso aceitar que o Deus que eu conheci no catecismo não é suficiente para minha vida adulta. Agora podemos entender porque jesus nos aconselha a viver este bem-aventurança: "Bem-aventurados os aflitos (os que sabem viver os seus lutos), porque serão consolados (serão felizes aqui na terra e na eternidade). Portanto, em marcha! É sempre a mesma ideia, que nos convida a dar um passo a mais. Um passo a mais além do conhecido. Qual é o meu luto que ainda pede para ser vivido?
(por Pe. Savério da Paróquia de São Pancrácio em Interlagos)
P.S. - Uma homenagem a você Fábio. esteja feliz onde você estiver. JESUS TE AMA!!!
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